Seguros Integrados: as oportunidades e desafios na perspectiva do consumidor
Artigo Ricardo Morishita Wada - Fonte: Notícias do Seguro - CNseg
Embedded insurance (seguros integrados) é um termo novo e tem sido utilizado pelo mercado para descrever as oportunidades de comercialização de seguros com eficiência aos consumidores.
Potencial dos Seguros Integrados
Prevê-se que os seguros integrados, impulsionados pelas empresas de tecnologia aplicada ao serviços financeiros e de seguros, alcançarão o valor global de US$ 700 bilhões em setores diversos, como de pagamento e empréstimos, saúde, imobiliário e serviços em geral.
Seguros Integrados e as Finanças Integradas
Este fenômeno não é um movimento isolado do setor de seguros. Ao contrário, insere-se em um contexto mais amplo no qual as finanças estão sendo integradas aos produtos e serviços em larga escala. Tal integração está transformando os canais tradicionais de distribuição, resultando na criação de novos ecossistemas, com a entrada de atores de mercado que não estavam inseridos ou participam desta atividade .
As finanças integradas (Embedded Finance) surgiram em decorrência de vários fatores, entre eles a profunda transformação da tecnologia da sociedade e do mercado de consumo. Mais especificamente, foi a evolução do modelo SaaS (Software as a Service) que naturalmente atraiu e possibilitou a integração do BaaS (Bank as a Service), inicialmente como funcionalidade e, posteriormente, como uma atividade, com maior especialização e autonomia.
O Software como Serviço – SaaS
A sigla SaaS, que se traduz-se como “Software como Serviço”, refere-se a um modelo de entrega de software em que as aplicações são hospedadas por um provedor de serviços e disponibilizadas aos clientes via internet. Este modelo oferece facilidade aos consumidores, que podem acessar o serviço diretamente pelo navegador, sem a necessidade de instalações complexas de programas ou equipamentos (hardware).
A evolução do SaaS
Na década de 1960, o modelo de “time-sharing” de mainframes era comum e pode ser considerado a origem do conceito de SaaS. Em 1999, com o surgimento da Salesforce, o modelo de SaaS começou a transformar o paradigma de aquisição de softwares e hardwares. Nos anos 2000 grandes empresas, como o Google e a Microsoft, entraram neste mercado com o Google Workspace (2006) e o Microsoft Office 365 (2011).
A maturidade do SaaS , com modelos de negócios bem estabelecidos e ampla aceitação em quase todas as indústrias, foi acelerada pela pandemia de COVID-19 e ainda mais impulsionada pelas tecnologias de Inteligência Artificial (IA) e Aprendizado de Máquina (Machine Learning), aumentando a eficiência e abrindo novos caminhos para inovação.
O desenvolvimento do SaaS proporcionou novas interações e serviços aos consumidores. Diretamente relacionado com as finanças integradas está o que é denominado BaaS (Bank as a Service), ou, numa tradução livre, Banco como Serviço.
O Banco como Serviço – BaaS
O Banco-como-Serviço (BaaS) é um modelo no qual as instituições financeiras licenciadas, como bancos, disponibilizam suas infraestruturas e serviços bancários a outras empresas, frequentemente não bancárias, através de interfaces de programação de aplicações (APIs). Esse modelo permite que essas empresas integrem serviços bancários diretamente em seus próprios produtos, ampliando a oferta dos produtos e serviços.
O papel das APIs e o BaaS
As APIs (Application Programming Interfaces) são conjuntos de protocolos e ferramentas que permitem a interação entre diferentes softwares. Elas atuam como pontes entre os sistemas dos bancos e os produtos das empresas. É possível com a aplicação das APIs acessar funcionalidade bancárias de maneira segura e eficiente em aplicações de terceiros.
Podemos exemplificar as funcionalidades quando observamos algumas etapas da operação de uma API em um BaaS. Geralmente, há um processo de autenticação para assegurar que apenas as entidades autorizadas possam acessar os serviços bancários, utilizando tokens ou chaves de API. Uma vez autenticado, o aplicativo de terceiros pode realizar solicitações à API do banco. É possível consultar o saldo, iniciar uma transferência para um fundo, entre outros serviços. Logo, é possível que exista uma integração entre os serviços de natureza bancária e do terceiro, parceiro da nova atividade, mediante utilização de APIs.
Há uma grande preocupação com a segurança das transações, por esta razão, as APIs de BaaS, banco-como-serviço, são projetadas com robustas medidas de segurança para proteção das informações sensíveis e garantir toda conformidade com as normas financeiras, especialmente das leis de proteção de dados.
A evolução do banco-como-serviço – BaaS e o software como serviço – SaaS, a oferta de serviços em plataformas digitais tornou-se mais orgânica. Softwares não se limitam a funcionalidades tradicionais de pagamento, expandindo-se para incluir empréstimos, abertura de contas bancárias, e emissão de cartões de crédito e débito aos consumidores.
O banco invisível
Apontado pela primeira vez, na lista de Trend Tech Reports, de Amy Webb , o Invisible banking foi considerado uma tendência. O serviço bancário invisível é aquele realizado por um aplicativo (API) que faz a interface com um banco e permite que serviços financeiros sejam realizados por terceiros, não bancos ou instituições financeiras. É invisível porque o consumidor se relaciona com o terceiro, contratante do BaaS e não diretamente com a Instituição provedora da infraestrutura do serviço.
O Open finance e o BaaS
O open finance e o open insurance são elementos estratégicos e essências para fomentar a competitividade e inovação no mercado. Eles possibilitam o desenvolvimento de APIs robustas e seguras dentro do ecossistema BaaS, viabilizando uma oferta mais ampla e inovadora de serviços financeiros e de seguros.
A política pública do acesso e inclusão
Na perspectiva das políticas públicas há um incremento na competitividade e um estímulo significativo à inovação. Empresas de tecnologia emergem como novos entrantes no ecossistema financeiro e de seguros.
Espera-se que tais avanços permitam que entidades não financeiras ofereçam serviços a populações com acesso limitado aos serviços bancário e de seguros convencionais.
Reflexões sobre o Seguros Integrados
Em uma entrevista conduzida pela McKinsey com sua sócia Pia Schlüter, três reflexões são destacadas.
A primeira é a integração dos seguros nos pontos de venda evoluiu para agregar mais valor à jornada do cliente, transcendendo a mera persuasão de vendas adicionais. Segundo a entrevistada:
“The concept of selling insurance at the point of sale of another purchase has been around for quite a while, but the way it is presented nowadays feels more integrated. The insurance offer is seamlessly embedded into [typically digital] customer journey and is sometimes fully included in the price. Often this integration is done in such a smart way that the customer will consider the insurance offer a value add rather than an upsell or additional purchase.”
Importante realizar uma distinção entre persuasão e assédio de consumo. A oferta que utiliza argumentos lógicos, apresenta benefícios reais ao consumidor e utiliza uma abordagem respeitosa para atender as necessidades, interesses ou objetivos do consumidor não se confunde com o assédio de consumo.
O assédio de consumo é caracterizado quando as táticas utilizadas para venda de produtos ou serviços são invasivas, agressivas, enganosas, insistentes, que não atendem a recusa do consumidor e continuam de modo excessivo e desproporcional, com o propósito de realizar a venda ou contratação do serviço.
Por isso, importante recordar que a recente alteração do Código de Defesa do Consumidor, com a inclusão de medidas para o tratamento do endividamento e o superendividamento, estabeleceu um limite para a conduta do fornecedor com a proibição do assédio de consumo, nos termos do art. 54-C, inciso IV .
É possível realizar a oferta dos seguros integrados, mas não é adequado praticar o assédio de consumo. Deve-se observar, de uma forma geral, as normas gerais que disciplinam as relações de consumo.
A segunda é que há fluidez na integração do seguro e o valor agregado oferecido, considerando o bem comercializado e a jornada do consumidor. A venda inteligente, nos parece, valoriza a utilidade real para a vida do consumidor e preserva a relação em harmonia e está em aderência aos requisitos legais da norma de proteção ao consumidor.
A terceira, segundo a autora, é que a venda integrada dos seguros tem representado uma nova receita para as empresas não seguradoras, o que tem despertado o interesse, sobretudo no âmbito digital.
É interessante a atualização nas modalidades de vendas que estão sendo adotadas nesta prática de seguros integrados. Para além do modelo de affinity, o managing general agent [MGA] e o full risk carrier tem sido consideradas.
A vantagem dos novos modelos para as empresas não seguradoras é o acesso único aos consumidores, inclusive de dados e de assegurar uma contratação integrada as suas jornadas de venda, segundo a autora.
Oportunidades e riscos
A entrevista também aborda as oportunidades e os riscos. As parcerias são vistas como canal de distribuição estratégico dos produtos de seguro, permitindo o alcance de consumidores não atingidos pelos canais tradicionais.
Para além do canal de distribuição, embora não tratado diretamente pela entrevistada, penso que os seguros integrados têm um imenso potencial para inovação. Na medida em que novos atores participam do ecossistema, novas necessidades ampliam a utilidade e a importância do seguro diante dos graves e cada vez mais frequentes riscos de nossa sociedade.
Para a entrevistada, os riscos dos seguros integrados são, nas suas palavras: “[…]insurers risk becoming a mere capacity provider to no insurers and turning insurance into an even more commoditized business.” Em outras palavras e em uma tradução livre, o risco é o mercado segurador se transformar em fornecedores de produtos, tornando o seguro um negócio ainda mais comoditizado.
O foco na experiência do consumidor
Os serviços financeiros integrados automatizam as operações e procedimentos, reduzindo custos e permitem um foco acurado dos canais de distribuição e venda na otimização da experiência do consumidor. A operação é realizada pelos APIs que se comunicam com o banco ou seguradora, provedores da infraestrutura.
As transformações provocadas pela indústria digital
A indústria digital não se limita mais ao conceito do “compre agora e pague depois”. Ela se expande para oferecer uma gama diversificada de produtos financeiros, tais como, pagamento, poupança, empréstimos, crédito, investimentos e seguros contra riscos. Na medida em que existe uma infraestrutura que suporta as operações, é possível desenvolver novos agregados de valor e especializar-se na experiência do cliente.
Considerações finais
O ecossistema de seguros integrados está em pleno desenvolvimento, com oportunidades significativas para inovação e design de negócios que atendem às demandas dos consumidores. O mercado ainda está sendo desenhado e as plataformas e o comércio eletrônico ainda dependem de uma infraestrutura de serviços financeiros e securitários.
É possível inovar e propor desenhos de negócios que atendem às necessidades de nossos consumidores, enderençando riscos, novos e antigos. Neste design de negócios, concebidos em um modelo sustentável e rentável para todos os seus atores, a tecnologia é uma importante aliada e uma ferramenta sem precedentes na história da humanidade. É desejável e necessário que possamos fazer bom uso dela para potencializar a qualidade da experiência do consumidor e promover o benefício de toda sociedade.
Ricardo Morishita Wada, professor de Direito do Consumidor – IDP e doutor em Direito pela PUC/SP
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