Análise de Causa-Raiz: processo, aplicações e recomendações importantes
Fonte: QSP - Blog QSMS
Durante o processo de gestão de riscos, uma das principais técnicas utilizadas para identificar e compreender as causas dos cenários de risco é a Análise de Causa-Raiz (Root Cause Analysis ou RCA). A RCA está descrita na norma IEC 62740:2015 e refere-se a qualquer processo sistemático que identifica fatores que contribuem para a ocorrência de um evento (focal ou principal).
Ela é especialmente empregada para revelar a causa ou as causas-raízes do evento principal, de modo a reduzir a probabilidade de sua ocorrência ou minimizar o impacto de suas consequências. Um ponto importante sobre a RCA é que ela visa analisar as causas de um evento focal após a sua ocorrência (a posteriori), para evitar que eventos negativos ocorram novamente e gerar melhorias futuras.
Aplicações da RCA
A RCA é usada para analisar a causa ou as causas-raízes tanto de eventos com impactos positivos quanto de eventos com efeitos negativos, sendo mais comumente empregada na análise de falhas e incidentes. A natureza das causas de tais eventos pode variar, incluindo processos e técnicas de projetos, características organizacionais, aspectos humanos e eventos externos.
Além disso, a RCA serve para investigar as causas de não conformidades de sistemas de gestão, bem como para analisar falhas relacionadas à manutenção ou a testes de equipamentos, entre outras.
A RCA pode, portanto, ajudar a identificar:
a) uma única causa-raiz;
b) múltiplas causas-raízes, nas quais a eliminação de uma delas pode evitar a ocorrência do evento focal;
c) causas-raízes em que a eliminação de uma delas pode mudar a probabilidade de ocorrência do evento principal, mas não evitar diretamente a sua ocorrência;
d) causas-raízes de eventos com impactos positivos (sucessos).
Ao abordar as causas-raízes, é possível tomar decisões sobre as ações apropriadas que podem gerar melhores resultados no futuro. Implementar ações com base na RCA tende a ser mais eficaz na prevenção de eventos semelhantes com resultados negativos, ou para aumentar a probabilidade de ocorrência de eventos similares com impactos positivos, quando comparado a abordar somente as causas mais óbvias de tais eventos.
Outras aplicações da RCA incluem:
- Investigação de eventos focais tecnológicos, médicos e ocupacionais;
- Análise de falhas de sistemas tecnológicos, para determinar por que um item não funcionou, como e quando necessário;
- Análise de controle de qualidade e processos de negócio;
- Análise de resultados de sucesso.
A RCA pode ser realizada em vários níveis, desde o de sistema ao de componente, selecionando diferentes eventos ou resultados como ponto de partida. O nível apropriado para conduzir a análise dependerá do evento focal.
Ela também é aplicável durante a fase de teste e fase operacional de um projeto ou ciclo de vida de um produto, podendo identificar desvios nos processos, incluindo a concepção e gestão de projetos, análise de confiabilidade e controle de qualidade.
O Processo de RCA
Para ser eficaz, a RCA deve ser realizada sistematicamente como uma investigação, com as causas-raízes e as conclusões suportadas por evidências documentadas. Para tanto, baseia-se em cinco etapas, conforme a figura abaixo:
As Cinco Etapas da Análise de Causa-Raiz (RCA)
Figura 1 - As Cinco Etapas da Análise de Causa-Raiz (RCA
A RCA é de natureza iterativa, especialmente para a coleta e análise de dados, em que os dados são coletados com base no que aconteceu e analisados a fim de determinar a necessidade de dados adicionais.
Depois de coletados os dados, são realizadas análises adicionais e identificadas potenciais lacunas, para as quais mais dados são coletados. Este processo é repetido até que o propósito da análise seja cumprido e as causas-raízes identificadas. As saídas da RCA dependerão de sua finalidade e escopo.
1-) Iniciação
A primeira etapa da RCA envolve avaliar a necessidade de sua realização. Ela define o propósito e o escopo da análise, em resposta ao evento focal, e estabelece uma equipe e recursos para realizar a RCA.
Geralmente, um critério é usado para determinar quando a RCA é necessária, podendo incluir:
• qualquer evento com um grande efeito ou impacto;
• vários eventos indesejáveis semelhantes;
• um parâmetro definido a partir de um nível de tolerância definido;
• falhas ou sucessos (qualquer que seja o nível de efeito envolvendo itens críticos de equipamentos ou atividades).
Ao definir o tipo de evento que requer a realização de uma RCA, é importante considerar que um evento com grande(s) efeito(s) pode ter causas-raízes comuns a eventos com efeitos menores. Analisar e abordar as causas básicas de eventos com efeitos menores pode evitar a ocorrência de um evento de grande impacto.
Exemplos de eventos nos quais a RCA pode ser necessária incluem: conclusão de um projeto (sucessos e fracassos), falhas que resultam em custos inaceitáveis, lesões ou fatalidade(s), desempenho inaceitável ou atrasos, grandes consequências contratuais e quebra de equipamento(s).
Caso a RCA seja necessária, o evento principal a ser analisado é descrito, e uma equipe é designada para a análise. A descrição deve incluir a(s) circunstância(s) e o contexto em que o evento focal ocorreu.
Uma boa descrição de um evento focal deve ser curta, simples e fácil de entender e não deve ser tendenciosa para uma solução específica. Esta descrição é usada para identificar os membros da equipe de análise e determinar onde começar a coleta de dados.
O objetivo e o escopo da RCA devem ser determinados, levando em consideração o conhecimento do sistema, funções, interfaces, etc. Em alguns casos, o objetivo da análise é identificar as causas do evento principal. Em outros, o propósito pode ser mais amplo como, por exemplo, identificar questões de interesse além das que levaram ao evento focal.
2-) Estabelecimento dos Fatos
Esta etapa inclui todas as atividades necessárias a serem preparadas para a análise. Estabelecer os fatos geralmente é a principal parte da RCA. Os fatos devem ser determinados sobre 'o que' aconteceu, 'onde', 'quando' e 'por quem'.
Os dados devem ser coletados antes de serem perdidos (por exemplo, antes que as evidências sejam removidas ou que as memórias desapareçam). Em geral, os dados coletados incluem:
- o contexto em que o evento focal ocorreu;
- as condições antes, durante e depois do evento principal;
- envolvimento dos funcionários, incluindo ações executadas (ou não executadas) e decisões tomadas;
- dados de contexto sobre o entorno, incluindo dados ambientais;
- como a organização opera, incluindo organogramas, processos e procedimentos,
treinamento e habilidades;
- dados históricos relativos a eventos ou precursores semelhantes;
- desvios em relação ao esperado;
- interações com outros itens e funcionários;
- equipamentos envolvidos, seu estado operacional e conformidade com requisitos.
Uma vez que todos os dados associados ao evento focal tenham sido coletados, convém revisá-los para correção e adequação. É importante obter dados ausentes e resolver quaisquer inconsistências, para gerar uma imagem clara e consistente do evento principal.
O resultado desta etapa é a informação e compreensão, apoiada por evidências físicas e depoimentos de testemunhas, a respeito de:
• o que aconteceu, incluindo as circunstâncias que levaram ao evento principal;
• a sequência dos eventos que levaram ao evento focal;
• a localização do evento principal;
• ações de pessoas associadas ao evento focal;
• quaisquer condições necessárias para o evento focal;
• as consequências do evento principal.
3-) Análise
Após determinar 'o que' aconteceu, 'onde', 'quando' e 'por quem', esta etapa estabelece 'como' e 'por que' o evento focal ocorreu. O objetivo desta etapa é compreender o evento principal e suas causas, estruturando os dados que foram coletados em uma forma que permita que as causas-raízes sejam sistematicamente definidas.
A RCA normalmente analisa os fatos para identificar as causas que foram necessárias para a ocorrência do evento focal, chamados de “fatores causais”.
No entanto, em alguns casos, quando não estão disponíveis fatos suficientes, a análise pode propor uma ou mais hipóteses para a(s) causa(s) e identificar fatores contributivos e condições associadas ao evento focal, que não necessariamente representem fatores causais.
A análise envolve:
• organizar as evidências físicas e depoimentos de testemunhas sobre ações, eventos, condições e resultados;
• buscar como e por que o evento principal ocorreu, usando os dados coletados para justificar as conclusões. Modelos de causalidade, testes laboratoriais, listas de verificação e taxonomias ou análises estatísticas de dados podem ser usados para auxiliar nesse processo;
• olhar além dos fatores causais imediatos para saber por que eles ocorreram. O objetivo é buscar todos os fatores causais que podem contribuir para o evento focal, não apenas as causas óbvias;
• continuar esse processo até que a regra de parada da análise seja invocada e as causas-raízes identificadas. Pode haver várias causas-raízes, independentes ou correlacionadas.
Em geral, os fatores causais podem envolver questões técnicas, aspectos humanos e fatores relacionados ao ambiente físico ou psicossocial em que o evento focal ocorreu. Pessoas com experiência nessas áreas devem, portanto, ser envolvidas na análise.
Modelos e técnicas de análise
A norma IEC 62740 descreve diversos modelos de causalidade bem como apresenta em detalhes as principais técnicas de análise de causas-raízes.
A partir dos modelos e técnicas descritos na IEC 62740, profissionais do QSP certificados em Gestão de Riscos criaram, especialmente para este Curso sobre o tema, a seguinte classificação:
Para os Modelos Teóricos de Análise de Causas:
- Análise de Barreiras
- Modelo do Dominó
- Modelo Dinâmico de Reason (‘queijo suíço’)
- Modelos Sistêmicos e Fatoriais – de Fatores Contributivos e de Fatores Humanos.
E para as Técnicas de Análise de Causas-Raízes:
o Técnicas baseadas em diagramas sequenciais:
- Diagrama de Eventos e Fatores de Causa (ECF chart)
- Análise de Eventos e Fatores de Causa (ECF analysis)
o Técnicas baseadas em eventos críticos:
Técnica de Incidentes Críticos
- Análise de Barreiras
- Tripod Beta
- Análise de Mudanças
- Análise de Árvore de Falhas (FTA) e Análise de Árvore de Sucessos (STA)
o Técnicas baseadas em árvores:
5 Por quês
- Diagrama de Árvore de Causas
- Diagrama de Causa e Efeito (Análise de Ishikawa)
o Técnicas baseadas na análise do desempenho humano:
- Análise de Falhas Humanas
- Técnica para Análise Preditiva e Retrospectiva de Erros Cognitivos (TRACEr)
- Análise de Fatores Humanos e Esquema de Classificação (HFACS)
A IEC 62740 enfatiza também que, em alguns casos, é apropriado usar mais de uma técnica de análise, ou levar em consideração mais de um modelo de causalidade, para identificar todas as causas-raízes...
A RCA geralmente é realizada por uma equipe, com cada membro sendo escolhido de acordo com sua experiência e habilidades.
Convém que a equipe de análise seja a menor possível, consistente com as habilidades técnicas e operacionais pertinentes e a experiência disponível.
É importante que o líder revise as informações disponíveis para determinar quais técnicas de análise devem ser aplicadas e quais habilidades são necessárias. Ele também pode exigir um facilitador especialista em RCA para toda ou parte da análise, dependendo da complexidade do evento focal, do volume de evidências e dados ou da técnica de análise selecionada.
Quando forem necessários inputs de várias partes interessadas ou entidades, a equipe de análise deve conter representantes de cada uma. É responsabilidade do líder garantir que as partes interessadas pertinentes sejam informadas, de modo que elas sejam representadas adequadamente durante a análise.
A função e as responsabilidades dos membros da equipe de análise devem ser determinadas e os objetivos estabelecidos no início da análise. Deve ser desenvolvido um plano de trabalho que reflita os objetivos fornecidos à equipe de análise. Isso permitirá que as recomendações sejam executadas em tempo hábil.
4-) Validação
Uma série de atividades de revisão são conduzidas ao longo do processo de RCA para determinar se os dados coletados são pertinentes e se a análise é representativa dos dados coletados.
Esta etapa testa se as causas identificadas na análise podem ser comprovadas e intercaladas com a análise ou conduzidas como uma atividade separada.
Uma revisão independente pode ser realizada para avaliar se a análise está completa e para determinar se o propósito da análise foi cumprido. O método de revisão dependerá da técnica de análise usada e do evento focal.
Em alguns casos, experimentos podem ser realizados para repetir a ocorrência do evento principal; quando apropriado, convém utilizar métodos estatísticos para avaliar a hipótese testada. Se as causas forem validadas com a ajuda de simulação, deve-se garantir que ela seja representativa.
Esta etapa pode exigir coleta de dados para buscar evidências diretas que suportem ou refutem as causas identificadas. Nem sempre as evidências estão disponíveis para validar totalmente todas as causas potenciais...
5-) Apresentação dos Resultados
Os resultados da análise dependerão do propósito da análise. Se o objetivo da análise é identificar as ações que, tomadas em conjunto, evitam a ocorrência de eventos semelhantes, convém que os resultados da análise identifiquem ações corretivas que previnam a recorrência do evento principal.
Se o propósito da análise é repetir sucessos, então convém propor ações que aumentem a probabilidade ou os impactos positivos do evento focal. A eficácia dos resultados da análise dependerá da qualidade da análise.
É importante desenvolver um formato acordado para apresentar os resultados da RCA, que resuma a análise e capture os resultados necessários como, por exemplo, as ações recomendadas. Se o resultado esperado da RCA é produzir tais ações recomendadas, o resumo deve incluir, no mínimo:
a) uma descrição geral de cada causa que requer uma ação, juntamente com informações e detalhes suficientes para garantir a necessidade de abordar cada causa e possibilitar a identificação das ações a serem tomadas;
b) um conjunto de opções de ações de tratamento e, quando praticável e dentro do escopo, um resumo dos benefícios e custos de cada uma;
c) ações recomendadas para lidar com cada uma das causas identificadas.
As ações corretivas recomendadas devem ser avaliadas quanto à sua eficácia e realismo. Em geral, as ações corretivas visam:
• alterar a probabilidade do evento principal e/ou suas consequências (ou seja, reduzir a probabilidade ou consequência de eventos indesejáveis ou aumentar a probabilidade ou consequência de eventos bem-sucedidos);
• não introduzir novos riscos inaceitáveis, de modo a não prejudicar a segurança de outros sistemas pela ação corretiva proposta.
Quando as ações são identificadas, convém que elas sejam revisadas antes de sua implementação, para verificar se não introduziram novas consequências inesperadas e, portanto, funcionarão como pretendido.
Além disso, é importante monitorar a recorrência de um evento semelhante, a fim de avaliar a eficácia das ações tomadas.
Diversas técnicas foram criadas para ajudar os analistas a identificar os fatores causais e, eventualmente, as causas-raízes de eventos focais.
Sobre o Curso do QSP
Para auxiliar as organizações na implementação do processo de RCA recomendado na IEC 62740, o QSP desenvolveu um Curso Avançado de Técnicas de Análises de Causas.
O treinamento também apresenta os modelos e técnicas, mencionados acima, para analisar causas-raízes, tanto de eventos com resultados negativos (perdas e incidentes), como de eventos que geram ganhos e benefícios.
Para mais informações sobre o Curso, acesse https://iso31000.net/analise-de-causas/
https://www.qsp.net.br/2021/06/analise-de-causa-raiz-processo.html
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